sábado, 27 de novembro de 2010

Monteiro Lobato, o inventor do nosso faz de conta

"Escrever é gravar reações psíquicas. O escritor funciona qual antena - e disso vem o valor da literatura. Por meio dela, fixam-se aspectos da alma dum povo, ou pelo menos instantes da vida desse povo."
Monteiro Lobato








Olá, turma!

As avaliações deste último bimestre estarão recheadas de histórias do Sítio do Picapau Amarelo: o mundo fantástico criado pelo genial Monteiro Lobato. 

Alguns textos da Avaliação de Português, por exemplo, foram tirados de seu livro A Reforma da Narureza. Nesse livro, Emília resolve mudar tudo o que ela acha errado na natureza. Aí já viu, né? Ela vai virar o Sítio de cabeça para baixo... Mas, para isso, a boneca de pano vai contar com uma ajuda muito especial, a de sua amiga Rãzinha - uma menina lá do Rio de Janeiro que vem parar no Sítio, a convite de Emília, com a ajuda do pó de pirlimpimpim. Você não vai perder, vai?

A seguir, você pode ler um dos capítulos desse adorável livro, lançado em 1941 e que é considerado um dos mais originais de Monteiro Lobato. 

Tenho certeza de que vai gostar e se divertir muito com as 'reformas' propostas por Emília. Só não sei se você vai concordar com as ideias dela... Leia e depois me conte, tá?



O livro comestível


           A maior parte das ideias da Rã eram desse tipo. Pareciam brincadeiras, e isso irritava Emília, que estava tomando muito a sério o seu programa de reforma do mundo. Emília sempre foi uma criaturinha muito séria e convencida. Não fazia nada de brincadeira.
          - Parece incrível, Rã! - disse ela. - Chamei você para me ajudar com ideia na reforma, mas até agora não saiu dessa cabecinha uma só coisa aproveitável - só "desmoralizações ...”
          - Isso não! A ideia das tetas com torneiras na Mocha foi minha e você gostou muito. A da pulga também.
          - Só essas. Todas as outras eu tive de jogar no lixo. Vamos ver mais uma coisa. Que acha que devemos fazer para a reforma dos livros?
          A Rãzinha pensou, pensou e não se lembrou de nada.
         - Não sei. Parecem-me bem como estão.
         - Pois eu tenho uma ideia muito boa - disse Emília. - Fazer o livro comestível.
         - Que história é essa?
         - Muito simples. Em vez de impressos em papel de madeira, que só é comestível para o caruncho, eu farei os livros impressos em um papel fabricado de trigo e muito bem temperado. A tinta será estudada pelos químicos - uma tinta que não faça mal para o estômago. O leitor vai lendo o livro e comendo as folhas; lê uma, rasga-a e come. Quando chega ao fim da leitura está almoçado ou jantado. Que tal?
         A Rãzinha gostou tanto da idéia que até lambeu os beiços.
        - Ótimo, Emília! Isto é mais que uma ideia-mãe. E cada capítulo do livro será feito com papel de um certo gosto. As primeiras páginas terão gosto de sopa; as seguintes terão gosto de salada, de assado, de arroz, de tutu de feijão com torresmos.
         As últimas serão as da sobremesa - gosto de manjar branco, de pudim de laranja, de doce de batata.
        - E as folhas do índice - disse Emília - terão gosto de café - serão o cafezinho final do leitor. Dizem que o livro é o pão do espírito. Por que não ser também pão do corpo? As vantagens seriam imensas. Poderiam ser vendidos nas padarias e confeitarias, ou entregues de manhã pelas carrocinhas, juntamente com o pão e o leite.
        - Nem precisaria mais pão, Emília! O velho pão viraria livro. O Livro-Pão, o Pão-Livro. Quem soube ler, lê o livro e depois come; quem não souber ler come-o só, sem ler. Desse modo o livro pode ter entrada em todas as casas, seja dos sábios, seja dos analfabetos. Otimíssima ideia, Emília!
        - Sim - disse esta muito satisfeita com o entusiasmo da Rã. - Porque, afinal de contas, isso de fazer os livros só comíveis para o caruncho é bobagem - podemos fazê-los comíveis para nós também.
        - E quem deu a você essa ideia, Emília?
        - Foi o raciocínio. O livro existe para ser lido, não é? Mas depois que o lemos e ficamos com toda a história na cabeça, o livro se torna uma inutilidade na casa. Ora, tornando se comestível, diminuímos uma inutilidade.
        - E quando a gente quiser reler um livro?
        - Compra outro, do mesmo modo que compramos outro pão todos os dias.
       A ideia, depois de discutida em todos os seus aspectos, foi aprovada, e Emília reformou toda a biblioteca de Dona Benta.
        Fez um papel gostosíssimo e de muito fácil digestão, com sabor e cheiro bastante variados, de modo que todos os paladares se satisfizessem. Só não reformou os dicionários e outros livros de consulta. Emília pensava em tudo.
        Também reformou muita coisa na casa. Por meio de cordas e carretilhas as camas subiam para o forro de manhã, depois de desocupadas, a fim de aumentar o espaço dos cômodos. As fechaduras não precisavam de chaves; bastava que as pessoas pusessem a boca no buraco e dissessem: "Sésamo, abre-te" e elas se abriam por si mesmas.
         - E os mudos? - perguntou a Rãzinha. - Como vão arrumar-se? Só se eles andarem com uma vitrola no bolso, que pronuncie por eles a palavra Sésamo.
         Emília atrapalhou-se com o caso dos mudos e deixou-o para resolver depois.
         O leite a ferver ao fogo dava um assobio quando chegava no ponto, de modo a avisar ao fogo, o qual imediatamente parava de agir. O mesmo com todas as comidas - e dessa maneira acabou-se a desagradável história do "feijão com bispo.”
         E tanta e tanta coisa as duas fizeram, que se fôssemos contar metade teríamos de encher dois volumes. Lá pelo fim da semana o Sítio do Pica-pau estava totalmente transformado, não dando a menor ideia do antigo. Foi por essa ocasião que chegou carta de Dona Benta anunciando a volta.
          - "Já concluímos o nosso serviço na Europa" - dizia ela.
         - "Deixamos o continente transformado num perfeito sítio - com tudo direitinho e todos contentes e felizes. A Comissão que nos trouxe vai reconduzir-nos para aí novamente. Devemos chegar na próxima segunda-feira e espero encontrar tudo em ordem.”
         Emília leu a carta para a Rãzinha, dizendo:
        "É uma danada, esta velha! Foi lá e fez o que todos aqueles ditadores e reis não conseguiram. Temos agora de preparar a casa para recebê-la.”

Monteiro Lobato. In: A Reforma da Natureza. São Paulo: Globo, 2008



Agora, você pode assistir a continuação dessa história no episódio do Sítio do Picapau Amarelo que mostra Dona Benta e sua turminha chegando ao Sítio e encontrando tudo "reformado", inclusive a  sua biblioteca. Não deixe de conferir! Vem confusão por aí...







Entrevista com Monteiro Lobato  (parte 3), a última concedida antes de sua morte. Nela, Lobato já estava doente, mas não deixa de comentar que adora as cartinhas e as visitas que recebe das crianças. Para ele, esse é um privilégio que só os autores que se dedicam às crianças podem ter. Também lamenta-se de não ter escrito somente para as crianças, visto que estas são as únicas que realmente importam.

Lobato concede a Murilo Antunes Alves, da Rádio Record, esta última entrevista, em 1948. Dois dias após o bate-papo, o escritor veio a falecer, vitimado por um derrame.








Você conhece o Conselheiro? Ele também é um personagem criado por Monteiro Lobato. O Conselheiro é um burro falante, educado e culto, trazido do 'país das fábulas' pelas crianças do Sítio. Seu nome foi dado por Emília e ele é muito querido por todos do Sítio.
Se você quiser brincar com o Conselheiro de FORCA, é só clicar no endereço abaixo. Boa diversão! 










"Um país se faz com homens e livros."
Monteiro Lobato


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